
16/04/07
Última gaveta
Abriu
a última gaveta e encontrou aquela carta: era a de
que mais gostava. Ele havia lhe escrito em seu aniversário
e, dessa vez, não usava clichês nem mesmo desejava
os votos comuns nesta época. A carta falava da história
e do sentimento puro que existia entre os dois. E desejava
que tudo continuasse assim como era.
Sabia
bem o que estava vivendo e não era a primeira vez
em que maximizavam problemas e minimizavam sentimentos.
Mas gostava de recorrer a ela nestes momentos críticos.
E não gostava de pensar o quão cabeça-dura
ele poderia se tornar em algumas situações.
Dava-lhe a sensação que seu orgulho era maior
que o amor a ela dedicado. Preferia lembrar dos momentos
de extremo carinho que viveram, jovens, quando o objetivo
comum era somente curtir o presente que a vida lhes enviou:
um sentimento dos mais bonitos já vistos por aí.
Não
sabia mais se gostava realmente de ler aquelas palavras
ou se era uma espécie de tortura a que se propunha
para se aprofundar no sofrimento. Se fosse o fim, preferia
vivê-lo logo e se não fosse, não havia
necessidade de tamanho silêncio. Havia perdido a noção
de quando começaram a deixar resoluções
para depois ou se algum dia já havia sido diferente.
"Deve ser mesmo isso que acontece com os casamentos"
- pensara.
Seguiu
buscando soluções práticas para problemas,
quase sempre, tão subjetivos. Tentou não imaginar
o que ele, agora distante, pensava ou fazia. Lembrou-se
do tempo de solteira em que prometera-se focar apenas em
questões determinantes ao seu bem-estar e resolveu
relaxar. No entanto, sabia que muita coisa havia mudado
em todos estes anos... Não poderia ser egoísta
e pensar apenas em suas inseguranças de mulherzinha.
Havia toda uma vida construída prestes a se desmoronar.
Havia o sentimento das crianças, a opinião
da família, a divisão de bens e tantas incertezas
que permeavam qualquer decisão que fosse tomada.
Havia uma espécie de dívida com todos aqueles
que a rodeavam e, no fundo, sabia bem que a maior delas
era consigo mesma.
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Cristina Mereu
é formada em jornalismo pelo
Uni-BH, adora internet, cinema, fotografia, música
e literatura. E escreve mensalmente para a coluna Trejeitos.
E-mai: cristinamereu@gmail.com
Sobre a coluna Trejeitos
Cada qual do seu jeito, cada um com seu trejeito. O que
não muda é o amor à profissão
e a vontade de registrar em palavras o que não pode
ser esquecido: a capacidade de falar por aquele que cala,
a crítica, o bom jornalismo, a denúncia, os
vários ângulos, as diversas histórias,
o lirismo.
Nesta coluna, o leitor encontra
crônicas escritas sob a ótica de três
diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina
Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a
cada semana, partilhando com o público, cada um,
um jeito diferente de enxergar a vida.
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