
12/11/07
Para cada tristeza,
uma doença
Irrita-me
ser tão previsível. Para cada tristeza, uma
doença. Para cada não, um sintoma. Para cada
insônia, um remédio contra a dor. Eu o tomo
mesmo sabendo que essa dor não vai passar. Mesmo
sabendo que eu preciso deixar de ser tão covarde
e medrosa e que, para isso, não há comprimido
ou injeção capaz de fazer o que só
pode ser feito por mim.
Eu tenho febre há três
dias. Eu me limito, me escondo, podo as minhas raízes.
Eu não quero sair do lugar que eu nunca quis estar.
Eu sonho com novas possibilidades, mas não consigo
ir buscá-las.
Eu tenho saudade dos meus amigos
antes mesmo de tê-los deixado. Eu quero que a minha
despedida aconteça todos os dias só para ser
o centro das atenções. Eu faço charme,
chantagem e pirraça só para que eles apareçam.
Você quer que eu lhe
diga quem sou, mas eu só sei dizer o que eu quero
ser. Eu quero fazer todas as coisas que gosto ao mesmo tempo.
Eu não consigo me decidir frente a caminhos que finjo
não existirem. Eu ignoro a sorte, ignoro as possibilidades
e não tomo uma atitude simplesmente porque não
tenho garantias. E, por mais que o presente seja medíocre,
ao menos ele eu conheço bem.
Eu passo o dia dopada. Eu tomo
mais remédios e ainda sinto dor. Eu sei o que devo
fazer, mas morro de preguiça de sofrer. A vida me
mostrou seu lado bom para que eu não me arriscasse
mais em estradas perigosas, em aventuras infundadas e em
noites bem dormidas.
Eu tenho alucinações,
sonho que tudo mudou e se resolveu por si só. Eu
não me sinto bem, durmo mais um pouco e acordo pior.
Eu jogo no lixo as minhas vontades, eu deixo pra depois
os meus desejos e me contento com o que vem até mim.
Eu não quero mais gastar energias e mesmo estando
em férias há meses, ainda assim me sinto cansada.
Eu penso em ter obrigações,
chego a planejar uma rotina organizada e logo quero descansar
novamente. Eu não consigo me enquadrar. O que todos
fazem tão facilmente não chega a ser aceitável
para mim. A minha inquietação não vai
embora mesmo após ter experimentado todas as alternativas.
Eu vou de um extremo ao outro e não consigo voltar.
Eu sou compulsiva por trabalho, por simples prazeres e pelo
ócio criativo, mas não suporto ser analisada.
Ao mesmo tempo em que busco a visibilidade, quero que ninguém
preste atenção no que faço. Eu enfeito
a realidade para satisfazer a minha vaidade.
Eu lhe convido a me visitar,
mas mudo de endereço antes de você chegar.
Eu quero paz e agito em uma só atmosfera. Eu quero
o tédio e o glamour. Eu quero o amor e o ódio.
Eu sou brava, mas esqueço de me impor. Eu exagero
no carinho, exagero na franqueza e exagero, principalmente,
comigo mesma. Eu me ocupo para ter descanso de mim. A minha
cabeça sofre a pressão que o meu corpo responde.
Eu fico de cama só até quando decido me levantar
e tudo mudar.
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Cristina Mereu
é formada em jornalismo pelo
Uni-BH, adora internet, cinema, fotografia, música
e literatura. E escreve mensalmente para a coluna Trejeitos.
Fale com ela: cristinamereu@gmail.com
Sobre a coluna Trejeitos
Cada qual do seu jeito, cada um com seu trejeito. O que
não muda é o amor à profissão
e a vontade de registrar em palavras o que não pode
ser esquecido: a capacidade de falar por aquele que cala,
a crítica, o bom jornalismo, a denúncia, os
vários ângulos, as diversas histórias,
o lirismo.
Nesta coluna, o leitor encontra
crônicas escritas sob a ótica de três
diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina
Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a
cada semana, partilhando com o público, cada um,
um jeito diferente de enxergar a vida.
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