
03/12/07
Pequenas cidades,
grandes problemas
(Ou Sobre umbigos e ética)
A pauta era sobre o projeto
social que uma grande empresa realiza nas comunidades carentes
do Vale do Aço. Um motorista da empresa veio me buscar
em casa e, nas quatro horas que me separavam do local, ele
foi me falando sobre a região e também sobre
o trabalho feito pela equipe do projeto.
Ele me advertiu que era um
lugar, além de longe, muito pobre e marginalizado.
Contou-me que as empresas da região pagam altíssimos
impostos ao município, mas nada é investido
por lá: as ruas são de terra, a população
vive na maior miséria e não possui serviço
de saúde. Enquanto isso, as autoridades locais adquirem
grandes propriedades não muito distantes, se tornam
fazendeiros e compram carros bacanas. Uma conduta tão
bonita quanto o flagrante,
mostrado pelo Jornal Nacional em 26/11, da vereadora Alessandra
Alves Pinto, presidente da Câmara de Matozinhos (MG),
passeando pela Argentina financiada pela verba pública.
Após a repercussão de sua postura (ela achou
ótimo que o 7º Congresso Sul-Americano de prefeitos,
vereadores e assessores, em Buenos Aires, teve sua programação
cancelada, pois assim poderia conhecer a Argentina e ainda
garantir o seu certificado), ela afirmou que devolveria
o dinheiro da inscrição. Mas somente após
ser questionada em rede nacional, claro. E, talvez também
somente devido à cobertura Global, ela será
afastada do cargo.
Lembrei-me imediatamente de
uma ex-colega de trabalho que, certa vez, me alertou que
a empresa onde trabalhávamos estava errada ao me
pagar menos do que a ela, pois desenvolvíamos a mesma
função, durante a mesma carga horária,
embora inclusive, eu ainda tivesse maior grau de escolaridade
que ela. A pedi então que me emprestasse alguns documentos
para copiar e assim reunir provas legais que pudessem foder
o meu chefe, já que ele estava me fodendo há
meses sem eu ao menos ter conhecimento. E foi daí
que veio a surpresa: ela se negou a me ajudar. Mesmo tendo
a consciência que o safado queria enriquecer às
nossas custas, mesmo sabendo que a atitude dele não
era legal e ainda se dizendo minha amiga, ela preferiu não
se envolver.
Todos os dias alguém
perde a chance de fazer a coisa certa e tentar consertar
um pouco de tudo que há de errado no mundo, no Brasil,
em seu estado, em seu trabalho, em sua comunidade. E é
aí que os chefes ficam mais ricos, os governantes
mais safados e a ética só acontece quando
a câmera não está mais escondida. O
que eu fiz? Bati um papo super aberto com o chefe, questionei
a postura da empresa, mostrei meu recente conhecimento sobre
a lei trabalhista, fingi acreditar nas justificativas infundadas
que ele me apresentou e coloquei o rabo entre as pernas
porque eu não sou ninguém. (Mas mantive o
gravador escondido desde o início porque o que está
errado ao meu redor não permanece errado, nem pra
mim nem pra você). E que venha a justiça!
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Cristina Mereu
é formada em jornalismo pelo
Uni-BH, adora internet, cinema, fotografia, música
e literatura. E escreve mensalmente para a coluna Trejeitos.
Fale com ela: cristinamereu@gmail.com
Sobre a coluna Trejeitos
Cada qual do seu jeito, cada um com seu trejeito. O que
não muda é o amor à profissão
e a vontade de registrar em palavras o que não pode
ser esquecido: a capacidade de falar por aquele que cala,
a crítica, o bom jornalismo, a denúncia, os
vários ângulos, as diversas histórias,
o lirismo.
Nesta coluna, o leitor encontra
crônicas escritas sob a ótica de três
diferentes estilos. Os jornalistas Ariadne Lima, Cristina
Mereu e Guilherme Amorim escrevem sobre temas variados a
cada semana, partilhando com o público, cada um,
um jeito diferente de enxergar a vida.
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