14/08/07
Contra os sete pecados capitais,
o Amor
Em várias semanas como
colaborador do site O Binóculo tratamos do amor.
Um tema caro ao Ocidente, trata-se de uma palavra com diversos
sentidos. Se o amor tem uma multiplicidade de sentidos,
possui também uma multiplicidade de formas de se
manifestar, tais como o amor aos pais, à pátria,
a Deus, a um amigo, etc. no entanto, de modo muito peculiar,
o Ocidente desenvolveu um apreço muito grande pelo
amor erótico, a ponto de fazê-lo como causa
de sua existência e, ainda, como sensacional objeto
de venda, de manipulação, de conquista e captação.
Segundo o psicanalista Jurandir Freire Costa, “Amor
erótico ou amor-paixão romântico é
um complexo emocional formado por sensações,
sentimentos, crenças e julgamentos. Saber o que é
amor é poder reconhecer, em si ou nos outros, sensações
físicas ou mentais de um tipo específico;
atitudes ou disposições para com o objeto
amado chamadas de sentimentos; convicções
sobre a natureza do objeto amado e do amante e, por fim,
julgamentos sobre o valor do amor, isto é, sobre
sua bondade, sua beleza ou sua necessária participação
na felicidade e no equilíbrio psicológico
do indivíduo”. Assim, o amor erótico-romântico
se configura como uma teia que invade, sobretudo o aparato
conceitual de uma pessoa.
Enquanto fenômeno novo,
o amor no Ocidente é inaugurado a partir do século
X de nossa era, com uma prática sustentada por canções
compostas por trovadores e passou para a história
com o nome de amor cortês. Por quê amor cortês?
Porque acontecia prioritariamente na corte e tinha como
uma das características o serviço que um homem
prestava a uma dama, baseado na relação de
vassalagem. Este novo e esplendoroso amor prescreveram uma
série de práticas e modos de vida e assumiu
um caráter civilizatório importante, pois
ajudou a por fim à barbárie que se instalou
com a queda do Império Romano.
Se o amor erótico aparece
como um complexo emocional ele não é, portanto,
apenas atração sexual acompanhada de sentimentos
ternos ou violentos, mas, também, uma “emoção”
que foi aprendida pelos homens. Como diz La Rouchefoucauld,
muitos homens não teriam amado se não lhes
falassem o que é o amor. Desse modo, a lírica
provençal do amor cortês assumiu um importante
papel na divulgação do modo de amor em causa.
Obviamente que a lírica
provençal foi apenas o pontapé inicial, porque
o amor romântico, entretanto, é uma emoção
recente na história ocidental e seu início
é indissociável do enorme enriquecimento da
esfera da vida íntima, da repressão à
sexualidade e, por fim, da valorização moral
da família nuclear e conjugal. Segundo Jurandir F.
Costa, “Não é surpreendente, assim,
que a liberalização da sexualidade, a ruptura
com a tradição familiar e a diluição
da intimidade na publicidade estejam mudando a face do amor”.
No entanto, se o amor foi visto por muito tempo como um
ideal de auto-realização, baseado na lógica
de que “só se pode ser feliz vivendo um grande
amor”, na contemporaneidade, com a queda dos grandes
ideais, o estabelecimento de um modo de vida em que a existência
do Outro é negada, pelo menos o Outro consistente,
da Lei, que Impera até a bem pouco tempo atrás.
Assim, o amor romântico foi capaz de construir, em
nosso tempo, uma “Ilha da fantasia” que demonstrava
que tudo acaba em amor. Assim, por exemplo, nos filmes norte
americanos, nas novelas latinas, em determinados romances
modernos e em revistas femininas, o amor está presente
de modo intenso, porque ele exerce a nobre função
de garantir uma identificação e, ainda, de
promover a idealização perdida. Se na “vida
real” o amor tem se tornado cada vez mais nômade,
cada vez mais provisório, cada vez menos duradouro,
no mundo ficcional ele se apresenta como causa e solução
para a vida. No entanto, o que a contemporaneidade nos faz
pensar é que novas formas de amar se inauguram na
contemporaneidade e o amor, quando digno, apresenta-se com
uma solução para um sujeito que, por mais
repleto de gadgets continua com o mal-estar da existência.
Para tal mal-estar, o amor
continua ainda a ser uma saída, dentre tantas. Talvez
a mais digna.
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Cássio
Miranda é psicanalista, doutorando em Letras
pela UFMG e escreve todas as terças. E-mail: cassioedu@oi.com.br
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