
11/09/07
Devorar é preciso!
Como se sabe (?), o catolicismo
propôs uma classificação dos vícios
humanos a partir de uma denominação classificatória
que incluía sete problemas humanos e
que necessitavam de uma norma civilizatória para
tornar, gradativamente, a vida social e pessoal
mais tolerável. Tal denominação que
circulou em torno dos sete pecados capitais têm como
finalidade educar e proteger os cristãos, partindo
da premissa de que conhecer os pecados é uma forma
de controlar os instintos básicos humanos. Para a
psicanálise, tais instintivos receberiam o nome de
pulsão. Por quê pulsão? Porque, uma
vez que a linguagem entrou em cena e parasitou o homem tudo
aquilo que era da ordem da natureza passou a se estabelecer
em uma outra ordem, uma ordem marcada agora por aquilo que
se chama de psiquismo humano.
Todos nós sabemos que
nada no homem é natural. Uma vez tocado pela linguagem
e por uma mensagem de um outro humano que o humanizou, aquilo
que pode ser chamado de natureza foi modulado pela dimensão
subjetiva. Assim, o homem come mesmo sem necessidade
ou deixa de comer mesmo tendo necessidade -, copula sem
estar no cio e escolhe seu parceiro sexual e escolhe
inclusive não tê-lo. Se ao animal tal condição
não é possível, no homem, tudo aquilo
que é do campo da natureza é capaz de assumir
toda sorte de vícios.
Se pensarmos assim, com a lógica
civilizatória que o catolicismo impôs ao mundo,
a seleção de pecados e a classificação
em dois tipos foi, de alguma forma interessante, pois há
os pecados que são perdoáveis e não
têm a necessidade do sacramento e da confissão,
e há os pecados capitais, esses terríveis
e inescrupulosos vícios que são merecedores
da condenação eterna. Na lista de tais pecados,
encontramos sete: vaidade inveja, ira, preguiça,
avareza, gula e luxúria. Como se vê, tal lista
arrola aquilo que há de mais humano (e assim podemos
pensar, de mais natural).
Segundo um teólogo antigo
- Evagrius - os pecados tornavam-se piores a medida em que
tornassem a pessoa mais egocêntrica e o orgulho é
o topo da condição, pois, como teólogo
lembra, foi esse orgulhinho besta que derrubou Lúcifer
do coral celeste e o transformou nesse diabo terrível
que povoa o imaginário dos povos. Por outro lado,
no século VI, o Papa Gregório preocupou-se
em classificar os pecados capitais como aqueles que ofendem
o amor.
Esse prelúdio todo (opa!
Nada mais missal que este termo!) é para convocar
o leitor para uma reflexão em torno dos sintomas
contemporâneos e o modo como eles provocam um transbordamento
do gozo. Assim, começaremos por pensar, rapidamente,
(com promessas de continuidade na próxima semana)
como o pecado da gula se inscreve na lógica contemporânea
a partir de sintomas que a clínica psiquiátrica
denominou de transtornos alimentares. Nosso objetivo é,
assim, pensar como diversos significantes novos apareceram
na cultura e formaram sintomas diversos. Se pensarmos no
pecado da gula, em termos de classificação
psiquiátrica, temos o seu oposto, a anorexia, enquanto
um sintoma em que o sujeito como o nada.
Pensaremos melhor nisso na
próxima semana.
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também
14/08/07
- Contra os sete pecados capitais, o Amor
07/08/07
- Orgulho gay, identificação e liberdade
de orientação sexual
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Cássio
Miranda é psicanalista, doutorando em Letras
pela UFMG e escreve todas as terças. E-mail: cassioedu@oi.com.br
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