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Terça-feira -03/04//07
Flexibilidade, gestão da própria vida e os engodos da modernidade

Certamente todos já ouviram falar das idéias dos administradores modernos relacionadas à flexibilidade, ao tempo livre, ao controle e gestão da própria vida. Tais significantes ocuparam (e ocupam), de modo privilegiado, as conversas contemporâneas, sejam aquela que acontece na mesa de bar, seja aquela que acontece nos Worshops empresariais, uma vez que, além de se apresentar como moderna, também possibilita o aparecimento do “uso dos prazeres”.

Se por um lado a dimensão política, aquela defendida pelos neoliberais ao estilo de FHC proclamaram que a sociedade seria mais “feliz” se seguisse a terceira via, por outro, percebia-se uma tendência ao fim, no que diz respeito aos empregos e o fim das grandes indústrias. No entanto, o conceito forjado no seio do neoliberalismo ligado à “disponibilidade absoluta” e ainda a famosa “liberação do tempo individual” não realizou a promessa de liberdade e nem mesmo garantiu um lazer individualizado, mas antes, pelo contrário, o hipermassificou.

Como resultado, chegamos ao que Deleuze denominou de sociedades de controle, em oposição ao que o filósofo Michel Foucault denominou de sociedades disciplinares. As sociedades disciplinares são aquelas que podem ser situadas num período que vai do século XVIII até a Segunda Grande Guerra, sendo que os anos da segunda metade do século XX estariam marcados por seu declínio e pela respectiva ascensão da sociedade de controle. Em uma metodologia semelhante à de Foucault, Deleuze sustenta que o enclausuramento, a operação fundamental da sociedade disciplinar, com sua repartição do espaço em meios fechados (escolas, hospitais, indústrias, prisão...), e sua ordenação do tempo de trabalho se encontravam em franco declínio, deixando o lugar de molde fixo e definido e estava dando lugar à interpenetração dos espaços, por sua suposta ausência de limites definidos, uma vez que a sociedade é articulada em rede e, ainda, pela instauração de um tempo contínuo no qual os indivíduos nunca conseguiriam terminar coisa nenhuma, pois estariam sempre enredados numa espécie de formação permanente, de dívida impagável, prisioneiros em campo aberto. O que haveria aqui, segundo Deleuze, seria uma espécie de modulação constante e universal que atravessaria e regularia as malhas do tecido social.

Mas, o que isso tem a ver com a Psicanálise e com o desejo? Em O mal-estar na civilização, Freud sustenta a idéia de que mesmo com todos os avanços industriais e tecnológicos que o futuro reservaria para a humanidade, ainda assim o homem se sentiria infeliz. Isso quer dizer que, apesar de pode contar com uma série de atributos que funcionam com uma espécie de Gadgets, os homens permaneceriam com um certo mal-estar, com uma certa constatação de vazio. Tal condição impõe ao homem, paradoxalmente, a necessidade de inventar novas formas de funcionar, novos modos de vida, criar produtos que sejam capazes de minimizar o mal-estar gerado pelo vazio da miséria humana.
Podemos verificar que as sociedades de controle são muito mais enganosas que as sociedades disciplinares, uma vez que não permitem ao homem rebelar-se. Nas sociedades disciplinares o inimigo era conhecido, devia ser combatido e vencido. Nas sociedades disciplinares não se sabe quem é o inimigo - se é que ele existe -, o que combater e por qual causa lutar. Talvez sua “perversidade” se encontre no fato de não haver uma “castração” imposta, um não pode, mas pelo fato de haver um imperativo do gozo, mas um gozo aos modos estabelecidos, por exemplo, pelas mídias.
Se a modernidade nos impôs a possibilidade de pensar novos modos de vida, apresentou-nos também a ilusão de um lazer solitário e do gerenciamento do próprio gozo. No entanto, o que ela não nos revela é o aprisionamento no campo imaginário que o consumo das massas, tão presente hoje. Assim, temos o lazer hipermassificado e um individualismo das massas, ou seja, um suposto individualismo que na verdade se constitui como um ideal que a todos nivela por baixo.

Tal modo de vida é, em certo sentido, efeito do fim dos grandes ideais que serviam de norte para a vida da juventude. Com o declínio de tais ideais e o fracasso do viril, as referências se foram e com isso deixaram um ponto de vazio que necessita ser preenchido. A resposta que o discurso capitalista apresenta é, então, a saída pelo consumo: consumo de drogas, consumo de álcool, consumo de relacionamentos, consumo de pílulas da felicidade, um constante consumir-se e um constante devorar-se. É tal saída gerada pelo discurso capitalista que promove a criação de objetos temporários e nômades, que circulam de um ponto a outro sem se fixarem.

Mas, o que há de mal nisso? A questão não passa pelo plano da moral, mas da Ética, ou seja, por um modo de ser do sujeito que se conjuga, a partir da psicanálise, com seu desejo. O que se verifica na contemporaneidade é que as pessoas são amplamente capazes de sustentar seu prazer – o que gera a fama da sociedade contemporânea de hedonista – mas é incapaz de sustentar seu desejo. Sustentar o prazer é um modo de lidar com a angústia que o desejo gera, mas que, ao mesmo tempo, lança o homem no curto-circuito de um gozo que assume um caráter mortífero.

O que fazer? Inventar possibilidades do sujeito sustentar seu desejo. Qual a resposta? É encontrar uma via pelo real da existência e, aí, talvez, só a arte e a psicanálise poderão nos ajudar.

 

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Cássio Miranda é psicanalista, doutorando em Letras pela UFMG e escreve todas as terças. E-mail: cassioedu@oi.com.br

 

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