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Como se sabe, a contemporaneidade é freqüentemente definida como um tempo de constante crise nas relações e nos mais diversos segmentos da sociedade: crise no casamento, na instituição familiar, nas instituições sociais e públicas, crise... Parece, desse modo, que a palavra crise é o significante mestre de um tempo atual repleto de sinais confusos, propenso a mudanças rápidas e imprevisíveis. Se tais características marcam o tempo presente, pensar no amor e seus efeitos é um ponto oportuno de discussão em torno das relações humanas, pois é exatamente em torno dos efeitos (?) disso que se chama pós-modernidade que as relações, hoje, são vivenciadas. Em um recente livro publicado pela Jorge Zahar, Zygmunt Bauman, sociólogo europeu, define a modernidade como líquida e traz consigo uma acentuada fragilidade dos laços humanos, o que o autor denomina de amor líquido. Homem sem vínculos, conectado em redes, com dificuldades de comunicação na era da comunicação, isolado e desbussolado. É esse o homem mapeado por sociólogos, antropólogos e confirmado na clínica psicanalítica: um sujeito marcado pela inoperância dos laços sociais, vazio e só, no entanto, vivenciando amores instantâneos e nômades. Por quê amores nômades, instantâneos e desconectados? Sujeitos que se queixam constantemente de seu estado de solidão são lançados em uma busca desenfreada pelo amor orbital, que circula pelas redes e é facilmente conseguido nos diversos pontos da sociedade. Os amores conseguidos em um simples click, ou construídos a partir de um jogo imaginário ocorrido em uma sala de bate-paopo são freqüentes e tornaram-se um modo de gozar corriqueiro. De uma juventude transviada nos anos 60, passamos a uma juventude nômade, no início do nosso século. Parece-nos que o projeto moderno em torno dos ideais românticos de amor absoluto e eterno, com suas outras derivações fracassou. No entanto, o amor não fracassou, mas assumiu uma nova configuração que veio como efeito dos novos modos de vida da juventude. Amores orbitais? Sim, amores que a contemporaneidade favoreceu e até mesmo promoveu o isolamento e a atuação em separado de elementos até então ligados pela libido.Como conseqüência, em um tempo em que o Outro não existe, uma revivescência do individualismo aparece, inclusive na forma muito particular em que cada um tornou-se empresário de seu próprio desejo. Se até meados do século XX a moral sexual civilizada se apresentava como uma norma imperativa e ainda era fonte de repressão, de impedimento, sobretudo da sexualidade através de um imperativo do "não-gozar", a contemporaneidade funciona pelas vias da inexistência de tais ideais e sob o imperativo do "mais-gozar". Atualmente é muito comum os adolescentes fazerem queixas nos consultórios relacionadas à impossibilidade de realização na vida amorosa. Por paradoxal que pareça, ao mesmo tempo em que a gestão do desejo encontra-se cada vez mais nas mãos dos jovens, por outro lado, tal gestão torna-se fonte de insatisfação, uma vez que, com a queda das grandes certezas e dos ideais que até certo ponto orientavam a vida, os jovens não conseguem sustentar, pelas vias do amor, uma relação. Para a psicanalista Ana Lydia Santiago, as queixas evidentes dos jovens quanto ao fato de "estar avulsa, de novo!", "fiquei, rolou, mas não vai pra frente", são manifestações que traduzem algo que é da ordem de um mal-estar que acompanha o individualismo contemporâneo, o individualismo de massa. Há saída? O psicanalista francês Jacques Lacan nos diz que a saída para os amores orbitais, aqueles que circulam nas malhas e na teia social e não fazem vínculo encontra-se, na verdade, no próprio amor, em um amor que é da ordem do inusitado e se constitui como uma invenção que o sujeito faz. Se "o nosso amor a gente inventa", podemos pensar também que "o amor inventa a gente". Leia também ___________________________________ |
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