
11/03/08
O presente para sempre
Tenho refletido esporadicamente sobre o futuro que a humanidade almeja implicitamente nas manifestações de seus interesses materiais, sociais e espirituais, e cada vez mais penso que o medo de sair do lugar, ou de um futuro desmembrado do presente é o principal motor do que entendemos como desenvolvimento.
Existe no discurso de progresso, ideologicamente inerente a idéia de desenvolvimento, uma fala sobre um futuro baseado no presente, ou seja, a mesma economia, a mesma sociabilidade, a mesma condição humana e espiritual que sustentamos hoje, em grau aperfeiçoado.
Sabemos que as transformações da natureza são inevitáveis, e que a própria história também não é algo determinado pelo que queremos, mas por como fazemos. Sem querer fazer previsões sobre o mundo em 2273, ou sobre os avanços tecnológicos possíveis no futuro, o que tenho a dizer é que não fazemos nada para além do que vivemos nos dias de hoje, ou seja, acreditamos na eficácia e na sustentabilidade infinita no nosso presente.
A crença no presente infalível tornou-se uma característica fundamental da sociedade a partir séculos XVIII/XIX com o desenvolvimento industrial e as afirmativas ideológicas acerca do indivíduo, que tem acelerada a perda de referenciais coletivos passando a ser o responsável pela sua vida. Ou seja, o individuo é levado a acreditar que pode mover o mundo com a força de trabalho sendo parte dele, descrente na importância de seu papel coletivo como indivíduo.
Um agravante foi a crença na superação da natureza, em evidência também nos séculos XVIII e XIV, ou na idéia de uma fenomenologia capaz de prever todos os seus movimentos. Com o desenvolvimento das formas de explorar a natureza, e das formas de entendê-la, nós visualizamos uma vida em séculos depois deste que vivemos, desconsiderando que a natureza foi e é responsável por boa parte dos imprevistos mundiais. Não devemos nos esquecer de pestes, vulcões, terremotos e maremotos que destruíram em pouco tempo o que muitos homens só puderam construir em anos de história.
O que quero dizer, neste sentido, é que buscamos um futuro sem surpresa, já que este futuro não apresentaria nenhum grau de diferenciação considerável do presente, sendo apenas um desenvolvimento do mesmo. No meu entendimento, isso está submerso em uma mentalidade geral, cultivada pela sociedade do consumo. Morremos pensando no que queremos, morremos desejando algo. E hoje os estímulos são bem maiores que no século XV, por exemplo. Nada permite que tenhamos espaço para pensar em um mundo sem carro, por exemplo. Ou em um mundo sem telefonia. E digo por mim mesmo. Em dois anos eu pretendo ter um carro, e já pensei no financiamento e no provável modelo, mas não pensei em uma possível surpresa da natureza, seja uma catástrofe natural ou minha própria morte. Pensei no presente com melhoras, mas no mesmo presente.
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Carlos
Alberto está se graduando em História,
é chefe de cozinha e músico de araque. Especialista
em filosofia de buteco, estratégias sustentáveis
de sobrevivência na cozinha e soluções
subversivas para superar rotinas exaustivas de trabalho.
Fale com ele: veganito126@gmail.com
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