
12/09/07
Só pra pobre, preto e puta!
Adriano Souza Cruz, 32 anos, preso no Distrito do Palmital,
em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte,
por furto, artigo 155 do código penal. O que ele
furtou? ... leiam até o fim.
Estava sob liberdade provisória.
Um mandado de prisão foi emitido. O motivo? Adriano
não tinha dinheiro para pagar passagem e ir ao Juiz
da Vara Criminal daquela cidade se apresentar todo mês.
Aliás, Adriano Souza Cruz, não tem dinheiro
nem para comer. Casado, pai de quatro filhos, negro, raquítico
e epiléptico. Ele não tem nem dente direito.
A dentição inferior quase não existe.
Santa Luzia, 16 de abril do
ano de 2007. Esse dia é especial para Adriano, bem
como para os outros detentos, e porque não dizer,
para a equipe que compõe o Distrito do Palmital.
Aconteceu, naquela data, o primeiro Dia da Cidadania. Pelo
menos uma vez por mês, os presos têm atendimento
médico, cabeleireiro e auxílio jurídico.
É uma iniciativa do Delegado Seccional de Santa Luzia,
Island Batista, iniciativa privada. Organizações
Não-Governamentais e outros órgãos
públicos. E quando digo do Delegado, o faço
porque a chefia da Polícia Civil só ficou
sabendo do fato depois que a mídia noticiou.
Então vamos ao que interessa...
O jornalista chegou para entrevistar
um detento. Adriano Souza Cruz, 32 anos de idade. Quando
preparava o texto para iniciar a matéria, pof! Pof!
Um barulho de côco caindo no chão. Era a cabeça
de Adriano. Aquele preso, raquítico, desmaiou, caiu
no chão e pof! A cabeça quicou duas vezes.
Gravador prum lado, jornalista proutro. O homem caído:
- epilepsia! Doutor ele tem
epilepsia! Traz o remédio! Falou um agente de polícia.
Epilepsia? Mas e as convulsões?
Não vinham. Ele não entrou em convulsão.
Depois de alguns minutos, Adriano volta a si. Após
sentar-se o repórter, assustado, segurava a mão
do detido.
- Ta tudo bem? Porque você desmaiou?
- Tem três dias que não como.
- Não come, porque? O delegado não está
te dando comida não?
- Dá, os policiais me dão sim, mas quando
eu coloco comida na boca, ela volta. Eu não consigo
engolir.
Um minuto de silêncio e depois o que ninguém
quer ouvir:
- Moço, eu não tenho problema de estômago.
O que tenho são quatro filhos em casa passando fome.
É impossível almoçar, jantar, comer
pão, tomar leite, sem pensar que eu poderia estar
dando esta comida para os meus filhos.
Todos; o delegado, os agentes,
a faxineira, o jornalista. Todos se entreolharam. O que?
Que país é esse? Agora, se preparem para a
próxima resposta. Ao ser perguntado o porque de estar
preso, Adriano disse e o jornalista conferiu nos autos do
processo:
- eu furtei comida de um supermercado.
Fui preso. Estava em liberdade condicional e tinha que me
apresentar ao juiz todo mês. Semana passada não
havia dinheiro da passagem. Um mandado de prisão
foi expedido e agora eu to aqui. E meus filhos lá,
sem comer.
A matéria foi ao ar.
No dia seguinte uma boa notícia. O dono de um supermercado
forneceu comida para a família de Adriano Souza Cruz.
O suficiente para seis meses. Ufa! Pelo menos, de fome ele
não desmaiará mais, já que agora as
crianças vão ter o que comer e ele não
ficará com a consciência pesada.
Hoje, 04 de maio de 2007, a
melhor notícia. Adriano foi liberado? Não.
Ainda cumprirá um tempo de prisão.
Então qual a notícia
boa?
Depois que sair do xilindró,
Adriano Souza Cruz, 32 anos de idade, negro, magérrimo,
pai de quatro filhos, ex-presidiário, terá
um emprego. Isso. Um emprego com carteira assinada e tudo!
Agora, só dependerá
dele. Está aí a chance de nunca mais passar
fome. De nunca mais ver os filhos pedirem pão sem
chance de ganhar. Não. Ele ainda não ganhará
um salário digno, mas pelo menos vai dar pra comer,
como acontece com a maioria dos brasileiros que dependem
do salário mínimo.
E onde estão os contraventores
dos jogos de bingo, jogos de azar, jogos do bicho? Onde
estão os juizes que assinaram as liminares, ou melhor,
venderam as liminares?
Infelizmente, os criminosos
de colarinhos brancos ainda não são punidos.
Eu falo “ainda”, porque ainda tenho esperança
de vê-los na cadeia e, quem sabe um dia, poder discordar
daquele velho ditado: A lei no Brasil só funciona
para os 3 p’s: pobre, preto e puta!
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Camila
Dias é jornalista poilicial, pós-graduanda
em Criminologia pela UFMG. Escreve aqui toda terça-feira.
Fale com ela: camilajrn@yahoo.com.br
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