
13/11/07
A vizinha gostosa do prédio da
frente
Da janela de seu apartamento,
aquele cidadão observa todos os movimentos da vizinha
do prédio da frente. Ele observa ela trocar de roupa.
Lavar a varanda usando roupa de ginástica. Almoçar
sozinha nos finais de semana. Passar a madrugada de calcinha
na frente do computador. Assistir TV em alguns raros momentos.
Conversar com seu passarinho. Tomar vinho. Receber os amigos.
Ele sabe quando ela não está em casa. Sabe
que horas ela chega do trabalho. Que horas sai pra academia.
Sabe quando ela viaja. Sabe quando ela tem visita. Da janela
do seu apartamento, ele acompanha tudo que acontece com
aquela cidadã. E ela parece tão linda e loira.
Tão meiga. Tão sexy. Ela parece uma menina
que precisa de colo. E, ao mesmo tempo, uma mulher tão
independente. E ela tem aquele cabelo dourado enorme. Aquela
pele bronzeada. Aquele corpinho de passeio. Mas, ele nunca
a viu de perto. Se um dia cruzar com ela na rua, é
provável que não a reconheça. Porque,
de perto, essa cidadã é muito diferente.
De perto, essa cidadã
não é tão simples assim. De perto,
ela é complicada. Mimada. Chata. Exigente. Temperamental.
Egoísta. Vingativa. E, se ele a olhasse nos olhos,
talvez ele nem achasse tanta graça nela assim. De
perto, essa cidadã tem olheiras quando está
cansada. Ela volta pra casa suada depois da academia. Ela
fica com a raiz do cabelo por algum tempo sem retocar. Ela
tem umas espinhas no rosto. Tem uma cicatriz perto do umbigo.
Tem uma mancha no meio do peito. Ela inventa uma TPM pra
justificar seu humor oscilante. Ela esquece de levar a roupa
pra lavanderia. E ela odeia esquecer coisas. Ela odeia acordar
cedo. Ela odeia que puxem seu saco. Odeia gente interesseira.
E ela adora elogio. Adora um carinho sincero. Adora que
a olhem nos olhos. Adora pessoas transparentes.
Se o tal cidadão conhecesse
aquela vizinha, ele veria muito mais coisas do que ele vê
de longe. Ele veria que, por trás daquela carinha
feliz, se esconde uma menina. Insegura. Carente. Desconfiada.
Vivida. Descrente. Que, por trás daquela cidadã
bem resolvida, tem uma mulher que não sabe o que
quer da vida. Que já teve seu coração
dilacerado e agora procura os pedaços que sobraram
por aí. Procura numa festa. Numa mesa de bar. Numa
companhia agradável. Num telefonema no meio da tarde.
Num convite pra passar a noite. Numa viagem de final de
semana. Procura em lugares que ela não vai encontrar.
Procura em lugares onde ela não vai encontrar nada
além de pedaços soltos. Pedaços dela
mesma que ela esqueceu de juntar. Pedaços de noites
mal dormidas. De pessoas descartáveis. De festas
com muito sorriso e pouca alegria. Com muita gente e pouco
calor humano.
A vizinha que tira a roupa
sem pudores e que não mostra a alma. Que adora mostrar
o corpo mas não mostra o que vai lá dentro.
Que adora quando elogiam sua barriga, mas que se desconcerta
se elogiam seu caráter. Que conhece todas as quinhentas
funções do seu telefone celular mas não
consegue apertar um único botão e ligar pro
cara de quem ela gosta. Que manda mensagens com fotos quando
deveria mandar um convite pra sair. Mas isso, o tal vizinho
não sabe. E, mesmo que eles morassem no mesmo prédio
e freqüentassem a mesma piscina nos finais de semana,
ele nunca saberia. Então, ele continua da janela
do 901 observando a vizinha gostosa. Sem ter a mínima
idéia do que se passa ou de quem ela é. E
talvez ele nem queira saber. Pra ele, o que ele sabe é
suficiente. Pra pessoas que não têm a mínima
intenção de se envolver, é melhor que
se olhem de longe mesmo. Assim, a vizinha continua linda
e loira (e gostosa!) e ele continua sonhando com ela todas
as noites.
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Brena Braz. Publicitária. Apaixonada pelos
animais. Admiradora dos corpos perfeitos, das mentes brilhantes
e dos sorrisos sinceros. Contato: brenabraz@gmail.com
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