
24/10/07
O Brasil tem um novo herói
Desde sua estréia nos cinemas do Brasil, o filme
Tropa de Elite, do diretor José Padilha, vem levantando
discussões, a meu ver, interessantes e necessárias.
Eu, particularmente, suportei toda a pressão do momento
em que o longa vazou na internet e preferi conferir na tela
grande. Muito já se falava quando a pirataria anunciou
todo esse rebuliço e pude confirmar este falatório
assim que saí da sala de exibição.
De fato, o produto do roteiro de Rodrigo Pimentel, Bráulio
Mantovani e José Padilha, além de muito bom,
é chocante. A verdade dura da realidade acabou por
impressionar inúmeros brasileiros que, antes disso,
nem se preocupavam em se preocupar com o rumo que o tráfico
de drogas está tomando no país e, principalmente,
no Rio de Janeiro, cidade-cenário do filme. Até
aí tudo bem, pois ninguém – além
das autoridades – tem a obrigação de
saber sobre o rumo do tráfico, e o filme chegou com
essa função. Sim, excelente!
Porém, quando ainda saía da sala de cinema,
já comecei a me impressionar com a opinião
das pessoas que repetiam, como se fossem suas, as palavras
do famigerado Capitão Nascimento. Assim que cheguei
em casa, abri meu e-mail e me deparei com um texto imenso
redigido por um amigo meu e enviado para toda a sua extensa
lista, com o mesmo discurso descabido do capitão
do Bope. Além disso, neste mesmo O Binóculo,
para citar um exemplo mais próximo, minha colega
colunista Thaís Palhares também enalteceu
as palavras do senhor capitão.
Longe de mim desmerecer a opinião de qualquer um.
Respeito muito. Quero apenas registrar o meu espanto frente
a tamanho absurdo. Desde o lançamento do filme que
a figura do playboy que compra maconha é a mais discriminada
no país. Se a pergunta é: de quem é
a culpa?, a resposta vem de imediato (e no mesmo tom esbravejante
do capitão): é do playboy maconheiro, viadinho
e filho da puta que financia o tráfico! O playboy
de classe média que compra a erva nas mãos
dos traficantes contribui, obviamente, com todos os trâmites
do narcotráfico. Todavia, é uma doce ilusão
achar que se estes pararem de comprar dos traficantes, o
problema estaria resolvido.
Ora, não é possível que o povo brasileiro,
frente a frente com um problema deste porte, vai legitimar
as palavras de um policial produto do sistema no qual está
inserido, torturador e que, assim como o palyboy que fuma
maconha por algum motivo, toma remédios quando quer
parar de tremer. E vale ressaltar um pensamento vagante
do qual eu desconheço a autoria: “a diferença
entre remédio e droga está na dosagem e na
potência de cada um”.
O que quero aqui não é fazer apologia ao uso
da maconha ou mesmo tentar levantar alguma hipótese
de solução, apesar de ser favorável
à legalização e ao uso organizado (sim,
isso é possível!) do produto. Quero apenas
me mostrar indignado com a pequenez da capacidade intelectual
de uma parcela significativa da sociedade brasileira que
pensa que a culpa provém dos jovens da classe média.
O buraco é, e sempre esteve mais embaixo. Os jovens
usuários – numa escala de culpa – vêm,
por exemplo, depois do governo desmoralizado, que desvia
o dinheiro que deveria ser aplicado em educação
e faz pouco caso da igualdade social e da polícia
corrupta que, de uma maneira muito pior que a dos jovens
de classe média, colabora para o livre desenvolvimento
do tráfico de drogas no Brasil. E ainda poderia citar
mais culpados, mas me alongaria por demais.
Pior ainda é saber que tudo isso foi mostrado no
filme e que boa parte das pessoas que o assistiram, ao invés
de aproveitar para entender a situação, absorveram
uma noção, em minha opinião, um tanto
quanto errada. E ainda por cima fizeram do Capitão
Nascimento o mais novo herói do país. É
como diz a música: “osso duro de roer!”
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Alan
Terra é jornalista, acha que é escritor
e se mete a enteder sobre vários outros assuntos.
Escreve aqui todas as quartas.
Fale com ele: alanterradutra@gmail.com
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