
17/01/08
Nem tudo é do jeito que nós vemos
No final das contas, Império
dos Sonhos (Inland Empire 2006) não me surpreendeu.
Eu já sabia que sairia da sala de cinema com a sensação
de alguma coisa não digerida e com o cérebro
soltando fumaça, ainda mais tendo em vista o último
trabalho que o diretor David Lynch fez para as grandes telas:
Cidade dos Sonhos (2001). Porém, não ter me
surpreendido não significa que eu não tenha
ficado satisfeito. Fiquei, e muito.
Trata-se de um filme que certamente
não agradou (ou não agradará) a maioria
do público. É que somos viciados em narrativas
lineares, e Lynch, há alguns anos, vem se apoiando
num cinema radicalmente avesso a elas.
A idéia, em si, já
existia. Se oculta em grande parte das tentativas de arrombar
com a linearidade que o cinema já fez. Exemplos como
Providence, de Alain Resnais, o fraco As Horas,
de Stephen
Daldry ou A Cidade dos Sonhos, do próprio
Lynch, assim como Império dos Sonhos, possuem
algo de onírico e tentam erigir simulacros da operação
da mente humana: lidam com a precariedade da percepção
de tempo, a confusão entre memória e imaginação,
o déjà vu, o embuste da compreensão
de espaço e por aí vai.
O longa, como narra o próprio
diretor, conta a história de Nikki Grace, uma atriz
de Hollywood, que recebe uma oferta para interpretar a infeliz
Sue Blue, protagonista do novo filme do diretor Kingsley
Stewart. Nikki não se detém mesmo quando descobre
que está no remake de um filme polonês chamado
47, que nunca foi finalizado porque os atores principais
se apaixonaram e acabaram assassinados. Quando se permite
ser seduzida por Devon Berk, seu parceiro na trama, o mundo
transparente de Nikki se transforma. Várias realidades
diferentes se misturam e os personagens se movem livremente
em uma narrativa na qual ele mesmo descreveu como um foco
no dilema das mulheres.
Durante o filme, Lynch reserva
120 minutos para tecer uma história tortuosa e excêntrica,
na qual ficção, realidade, sonhos e pesadelos
interagem. No filme-dentro-do-filme (sim, a metalinguagem
foi, é e sempre será um excelente terreno
para diretores deste naipe), magnéticas fantasias
derramam da tela. Tudo muito bem orquestrado por um diretor
arrojado, abusado, doidão, inteligente, bom e capaz.
Jamais saberemos precisamente
de quem é o estilhaço de história a
que estamos assistindo. Pode ser uma cena do roteiro do
diretor fictício, um momento na vida real dos atores,
um fragmento do mistério do passado ou um devaneio
de qualquer um dos envolvidos. O que se pode concluir -
de fato - após conferir o filme, é que a verdade
parece ser inatingível e que tudo que podemos esperar
da nossa mente e de todos os nossos principais sentidos
é a perturbação inflexível frente
ao que vemos.
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2007
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Alan
Terra é jornalista, acha que é escritor
e se mete a enteder sobre vários outros assuntos.
Escreve aqui todas as quartas.
Fale com ele: alanterradutra@gmail.com
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