
07/11/07
O maldito desconhecido
Da insossa Cachoeiro do Itapemirim, de Roberto Carlos, direto
para o total abandono no Rio de Janeiro, da boemia e com
certa boa estadia pelo nordeste, da alegria. De radialista
efêmero no Espírito Santo a mero desconhecido
arquiteto da música brasileira setentista. Foi esse
o destino, traçado em poucas palavras, do cantor
e compositor capixaba, Sérgio Moraes Sampaio, ou
somente Sérgio Sampaio: o maldito da MPB.
Uma trajetória desconhecida, porém cheia de
frutos e que mesmo assim não tem o seu valor reconhecido.
Um artista versátil e eclético, que deixou
uma obra carregada de diversos estilos, mesclando o rock
das décadas de 60 e 70 (apresentados por ninguém
menos que Raul Seixas) com o samba e a bossa nova do Brasil
e até com a valsa.
Sérgio Conheceu Raul em 1970 e no ano seguinte, já
com contrato assinado com a CBS, estavam no estúdio
da gravadora, da qual Raulzito era produtor, na companhia
de Edy Star e Miriam Batucada, para gravar o LP “A
Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão
das 10”. Uma verdadeira sessão de escracho
musical, uma coleção de “pastichos”
de rock, samba e ritmos nordestinos, com letras sarcásticas,
entremeadas por piadas e sátiras ao cotidiano em
forma de vinhetas malucas. O ótimo disco, inspirado
no Sgt Pepper's dos Beatles e no compositor e instrumentista
americano Frank Zappa, foi completamente ignorado pelo público
e pela crítica. Inacreditavelmente sem prestígio,
Sérgio iniciava sua carreira.
Ainda com o amparo do astro
Raul Seixas, Sérgio Sampaio, em 72, ingressou na
Phillips, para trabalhar com o produtor Roberto Menescal.
Lá gravou a música "Eu quero é
botar meu bloco na rua", que invadiu as rádios
de todo o Brasil. Em poucos meses, o sucesso lhe rendeu
mais de 300 mil compactos vendidos.
No ano seguinte, ele lança
o LP "Eu quero é botar meu bloco na rua".
Mesmo contendo a música de grande sucesso, o álbum
torna-se um fracasso. Apesar da boa execução
nas rádios de músicas como "Viajei de
trem", uma toada-rock de alta lisergia, a valsa pop
"Leros & leros & boleros" e os sambas
"Odete" e "Cala a boca, Zebedeu", a
vendagem não ultrapassou as 5 mil cópias.
E isso deve-se, em parte, ao comportamento displicente de
Sérgio, que se dedicava mais à vida boêmia
carioca do que à divulgação de seu
trabaho.
Daí em diante, alcoólatra
e já com o rótulo de maldito da MPB, Sérgio
passou por várias gravadoras, gravou com diversos
pequenos e grandes nomes, casou e se separou, foi morar
na Bahia, teve filhos, largou do rock, grudou no samba,
lançou compactos e até um álbum independente.
Só se recuperou do vício na década
de 1990, mas acabou falecendo antes de retomar a carreira.
Essa é mais uma história
de um grande artista brasileiro que morre desconhecido ou,
mesmo que ainda esteja vivo, assim – despercebido
– permanece. Muito pouco se conhece sobre Sérgio
Sampaio, Jorge Mautner, Miriam Batucada, Sérgio Mendes,
Tom Zé, Lula Côrtes, Zé Ramalho, Xangai,
dentre outros que são tão bons quanto os Novos
Baianos, os Mutantes, Secos e Molhados, Sá, Rodrix,
Guarabira e Raul Seixas.
Nomes como o de Sérgio
foram responsáveis pela construção
de uma identidade musical brasileira na década de
1970 talvez até mais importante, em minha simples
opinião, do que aquela música morna e pobre
dos anos 80.
Atualmente, a internet, com
suas diversas possibilidades, vem sendo responsável
por um importante resgate de nomes como o de Sérgio
Sampaio. Toda a sua obra (três discos de estúdio,
vários compactos e a parceria com Raul Seixas) é
facilmente encontrada para dowload. Além da rede
de comunicações, o cantor e compositor maranhense,
Zeca Baleiro, também desenvolve um importante trabalho
de resgate do trabalho deste artista. Inclusive, organizou
o lançamento de um disco póstumo do cantor,
em 2006, intitulado Cruel, também disponível
na internet.
A memória do brasileiro
não pode ser tão curta e ruim ao ponto de
praticamente ignorar a existência de grandes artistas
com o porte de Sérgio Sampaio: o incrível
maldito que ninguém conhece – um dos grandes
arquitetos da música brasileira. Façamos nós,
jovens que não vivenciaram aquele período,
o resgate de nomes que aqueles que os viram fizeram questão
de esquecer.
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Alan
Terra é jornalista, acha que é escritor
e se mete a enteder sobre vários outros assuntos.
Escreve aqui todas as quartas.
Fale com ele: alanterradutra@gmail.com
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