
28/08/08
Conversa de botequim
virtual
Colaboração:
Bruno Perillo
From: Bruno Perillo [mailto:bruno_perillo@yahoo.com.br]
Sent: terça-feira, 26 de agosto de 2008 - 09:39
To: Alan Terra
Subject: O Beck e sua Culpa Moderna
Fala aê irmão!
Tudo tranqüilo?
Cara, já tem
um bom tempo que eu te falo isso: se tem alguém que
merece a nossa atenção na música hoje
em dia, esse cara é o Beck. Desde que ele, na minha
modesta opinião, fez o melhor disco da década
de 90 (empatado com o Ok Computer, do Radiohead), o clássico
Odelay, ele vem sempre surpreendendo o mundo do pop com
o seu caleidoscópio musical.
No fim de semana passado
resolvi sacar qual era a do último rebento do mancebo:
Modern Guilt; e, depois disso, a minha recomendação
virou ordem! Você tem que entrar de cabeça
no som desse cara! Saca aquele vínculo que uma obra
tem em relação ao seu tempo e que depois faz
com que essa obra seja dita datada? Pois é! Pro Beck
esse vínculo temporal não existe! A ‘parada’
é moderna sendo vintage, é vintage sendo moderna.
Lógico que a
mistura eclética de influências dele está
lá. Mas ele faz o uso destas com propriedade e não
com plagiado. Do acid folk ao pop dançante passando
pelo hip-hop, pelo krautrock, pela psicodelia sessentista
e, finalmente, adicionando algumas pitadas de eletrônico,
Beck vai misturando seus ingredientes num liquidificador
sonoro. E quando o coquetel alucinante nos é servido,
putz... é bom demais! Só pra ver se eu te
convenço a escutar essa bagaça, vamos num
breve Top 5 Motivos para escutar essa pérola:
5 - Saca uns documentários
sobre blues produzidos pelo Scorsese? O volume dirigido
pelo Wim Wenders se chama "The Soul of a Man",
o mesmo título da sétima faixa do disco. E
daí? Daí que o Beck toca no filme do Wenders
e que esta música é um blues de primeira,
só que repaginado com maestria para a atualidade.
4 - Quer saber como
ficaria um arranjo com cordas, pianos e órgãos
sobre um sample drum-and-bass? Ouça como ficou em
Replica. Quer saber como seria se o Porcupine Tree da época
do “Sky Moves Moves Sideways” se encontrasse
com o Porcupine Tree da época do “Stupid Dream”?
Dê uma conferida nos vocais etéreos - aliados
à sublime habilidade de se fazer um som pop com qualidade
- de Chemtrails, que ainda conta com um trabalho foda na
bateria.
3 - Tá a fim
de dar uns passos na pista de dança? Vá de
Youthless ou então com a ‘doorsiana’
faixa-título Modern Guilt, que é totalmente
dançante tentando lhe convencer do contrário,
ou vice-versa. Tem também a Gamma Ray que, pelo menos
para mim, faz uma homenagem ao épico hard/krautrock
homônimo dos teutônicos do Birth Control.
2 - As evocações
à batida de "Back In The U.S.S.R." em Profanity
Prayers, que é seguida pela saideira Volcano. E que
saideira! Esse som é o Beck transformando sua crise
de meia idade numa arrastada, porém maravilhosa,
lamúria. E, falando em meia idade, é bem curioso
pensar que um cara que está beirando os 40 anos deixa
no chinelo um punhado de bandinhas indies que almejam soar
inovadoras (e mais curioso ainda é pensar que outro
cara que me deixa com a mesma impressão, o James
Murphy do LCD Soundsystem, nasceu no mesmo ano que o Beck!).
1 - E por fim, as duas
faixas que contam com a presença da Chan Marshall
(aka Cat Power). Você já deve estar pensando
que eu coloquei as duas no número 1 só pela
minha tietagem pela guria. Mas, sério, eu só
fiquei sabendo que ela cantava nas músicas depois
de ver nos créditos, pois, durante os dois sons,
a participação dela (infelizmente, diga-se
de passagem) é bem discreta. Orphans é a que
abre o disco. Preste atenção nas variações
da batida e das melodias, além da exploração
do potencial vocal do Beck! E, finalmente, Walls! Putz!
Dois minutos e vinte e dois segundos. E precisa mais do
que isso para fazer uma pérola sonora? Saca o lance
do vintage/moderno? Pois então, isso daqui é
o ápice! A batida quase tosca contrastando com a
riqueza dos arranjos. Neste curto espaço de tempo,
o mestre do alt-rock dá uma aula que, mesmo com todo
o tempo do mundo, eu não conseguiria descrever. Então
cara, o jeito vai ser você escutar mesmo!
Abração!
Bruno
From: Alan Terra [mailto:alan@obinoculo.com.br]
Sent: quarta-feira, 27 de agosto de 2008 – 11:17
To: Bruno Perillo
Subject: Re: O Beck e sua Culpa Moderna
Opa camarada! Na maciota?
Cara, eu sempre soube
da existência do Beck. Isso por conta de uma ou outra
música de sucesso que ele emplacou por aí,
como Looser (do seu primeiro Melow Gold) e Lost Cause (de
seu melancólico Sea Changes), por exemplo. Depois
veio você e me aplicou o Odelay: uma reunião
de clássicos, realmente. Já existia certa
simpatia entre nós. Daí pulei pro Modern Guilt.
É, de fato, um disco muito convidativo e intrigante.
Um petardo no meio musical atual.
Porém, movido
pelo seu texto contagiante, peguei a obra do cara para avaliar.
Beck Hansen, como também é conhecido, é
mesmo bom e sua obra, em plenitude, é interessantíssima.
E, assim como você, só que com menos rótulos
e percorrendo a sua discografia, faço um breve Top
5 Motivos que fazem do Beck um artista que deve ser escutado:
1 – Em Mellow
Gold, seu primeiro disco, de 94, Beck fez uma mistura absurda
de gêneros e sonoridades. Numa mesma canção
podem ser encontrados elementos de rock, hip-hop, psicodelia,
folk e country misturados à uma sonoridade contemporânea
e bem trabalhada, até nos seus mínimos detalhes.
Uma mistureba que pode parecer suja, mas bem contextualizada
com o rock alternativo daqueles anos.
2 - Em 1998, Beck lançou
Mutations, produzido pelo famoso Nigel Godrich. Apesar de
ser um trabalho menos híbrido, prevalecendo a influência
folk do Beck, a obra trouxe um som explorado ao extremo
pelas proezas que Godrich fazia na produção
e pela banda de apoio. Ainda por cima, o título do
disco é uma referência aos Mutantes e a música
Tropicalia uma homenagem ao movimento brasileiro de mesmo
nome. Beck é fã confesso da nossa música.
3 - Beck, em 1999, fez
o Midnite Vultures! Que disco é esse cara? Maravilhoso
do início ao fim! Também não traz uma
mistura de estilos, até então característica
do artista, mas é totalmente soul. Soul music com
modernismo. E o vocal? Ele arrisca até uns falsetes!
Destaque para Hollywood Freaks e Peaches and Cream.
4 - Em 2002 vem o Sea
Changes. Bonito pra caramba! Melancólico, introspectivo
e extremamente bem arranjado. Muita corda, violão
e, como não podia deixar de ser, discretas pinçadas
de eletrônico. Na turnê desse álbum,
o Flaming Lips foi a banda de abertura e apoio.
5 - O Odelay, 96, é
um grande clássico dividido em algumas músicas
e seu último disco, Guero, de 2005, tem guitarra
pra caramba!
É isso então meu amigo. Vale muito a pena
sacar o som desse pródigo artista. Soube absorver
tudo o que as décadas anteriores nos ofereceram de
bom e acoplou perfeitamente aos rumos do som moderno. Só
para finalizar, agradeço de coração
essa valiosa dica e digo que, após a minha inescrupulosa
avaliação, hei de fazer minhas todas as suas
palavras. Ou melhor, quase todas: Ok Computer, dos aloprados
do Radiohead, não é tão valioso assim!
Abração!
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2007
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Alan
Terra Alan Terra é hipérbolo e comedido
ao mesmo tempo. Jornalista formado, ele acha que é
escritor e se mete a entender sobre vários outros
assuntos. Escreve aqui as quintas.
Fale com ele: alanterradutra@gmail.com
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