
23/02/08
Que en paz descanse Fidel
Não sou comunista e
nem preciso ser para saber que o dia 19 de fevereiro de
2008 ficará marcado na história mundial. Foi
neste dia de verão que o mito-ditador primeiro-secretário
do Comitê Central do Partido
Comunista de Cuba e presidente dos Conselhos de
Estado e de Ministros do país, o qual governava desde
1959 como chefe de governo e de 1976
como chefe de Estado, anunciou, por meio de uma carta publicada
no diário oficial - o Granma - sua renúncia
à presidência, depois de quase meio século
no poder.
Apesar da maioria do povo cubano
ter nascido sob o regime ditatorial comunista, ter passado
a vida lendo um único jornal e os mesmos livros e
só ter participado de eleições de fachada,
uma vez que a oposição sempre foi aniquilada,
Fidel foi importante.
Mesmo que a sociedade não
possua liberdade de expressão e seja constantemente
vigiada, que o país sobreviva sob um regime fatigado,
do ponto de vista econômico; conformista, como atmosfera
política; e regressivo, em perspectiva histórica,
o carisma de Fidel é reconhecido até pelos
seus adversários.
Embora colecione atrocidades
e maldades desde sua chegada ao poder, nunca aparecera um
equipotente para tirar do altar aquele que carrega
na bagagem a condução de uma revolução
vitoriosa a partir de um pequeno grupo de intelectuais guerrilheiros
acampados no mato, o qual contava com a presença
de nobres cérebros fortemente armados, como Ernesto
Che Guevara e Camilo Cienfuegos.
Estes, juntos, tomaram Cuba
de assalto em 1959 depois de um período sob o domínio
espanhol e outro sob os alicerces de uma pseudo-República,
quando o governo norte-americano, em 1901, convenceu a Assembléia
Constituinte cubana a incorporar um apêndice à
Constituição da República. A Emenda
Platt, que concedia aos Estados Unidos o direito de intervir
nos assuntos internos da nova República, negou à
ilha a condição jurídica de nação
soberana, o que limitou sua independência
por 58 anos.
Fidel foi um político
identificado com as conquistas sociais produzidas pela revolução:
uma boa saúde pública, a transformação
do país numa potência do esporte e um sistema
educacional que atinge 100% da população (ou
quase isso), ainda que o povo tenha sido educado da maneira
que Fidel determinou.
Seus defensores o têm
como herói e seus adversários como um líder
ditador que se fundamentou numa política de partido
único bastante contestada. Todavia, sempre foi admirado,
principalmente pela sua ideológica e forte resistência
às influências comerciais e sociológicas
dos Estados Unidos. Mais objetivamente, pode-se dizer que
o regime de Fidel cerceou a democracia e os direitos humanos,
mas melhorou a qualidade de vida do povo cubano. Um paralelo
que sempre deixou Cuba às avessas, um país
cinza.
A minha posição
aqui neste altivo espaço não é a de
defender e/ou vangloriar o ditador. Longe de mim. Mas sempre
cultivei certa simpatia por essa figura, apesar dos grandes
pesares. Os fatos de Fidel defender seu país com
unhas e dentes e fazer com que se honrasse as cores de sua
bandeira, sempre me chamaram muito a atenção.Você
pode até dizer que Hitler também tinha amor
à pátria alemã. Mas, além dele
nunca ter tido a minha simpatia, são situações
e contextos diferentes.
É óbvio que esses
escassos elogios não compensam tanta barbaridade
e crueldade, mas Fidel - mesmo tendo traído a confiança
de seu povo e quebrado as esperanças de sua nação
- atráves de seus artigos publicados, seus discursos
absurdos e suas entrevistas pretenciosas, me fazia lembrar
que pátria é sempre pátria, mesmo que
mude. Que pátria é sempre pátria, mesmo
que acabe...
Amanhã vai ser outro
dia, como o de ontem. Nada vai mudar. Fidel não deve
demorar para morrer, mas Bush provavelmente sim. Queria
eu que, num breve determinado momento, o velho advogado
fizesse suas as palavras de José Saramago, outro
grande comunista vivo, que, quando de seu rompimento com
Cuba, devido ao episódio em que Fidel mandou fuzilar
três oposicionistas dissidentes, disse: Cheguei
até aqui. De agora em diante Cuba seguirá
seu caminho e eu fico. Doce sonho. Sonho morto.
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Alan
Terra é jornalista, acha que é escritor
e se mete a enteder sobre vários outros assuntos.
Escreve aqui todas as quartas.
Fale com ele: alanterradutra@gmail.com
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